segunda-feira, 26 de junho de 2017

Antropoceno: a ‘Era da Humanidade’

Entenda como a ação humana e as mudanças globais impulsionaram a adoção de um novo período geológico, encerrando assim o período atual, o ‘Holoceno’

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Estamos vivendo no limiar de uma nova era. E, seguindo o argumento de que a ação humana tem alterado drasticamente o funcionamento e os fluxos naturais do planeta ao promover intensas mudanças globais, diversos especialistas afirmam que entramos em uma nova época geológica, o Antropoceno.

As constatações desse argumento são visíveis em todos os lugares por onde a espécie humana passa ou se estabelece. E algumas evidências dessa chamada ‘Era da Humanidade’ ou ‘Era Antropocênica’ podem ser observadas com a poluição de rios e oceanos por microplásticos e diferentes substâncias químicas, a alteração nos níveis de nitrogênio pelo uso extensivo de fertilizantes na agricultura, o aumento da dispersão de substâncias radioativas no planeta, após muitos testes com bombas nucleares, e, principalmente, as mudanças climáticas, discutidas nas altas esferas da política mundial.

O que é o Antropoceno?

Esse conceito é objeto de intensa discussão em meios científicos. Para os cientistas que defendem a oficialização da transição para o Antropoceno, a influência humana sobre o planeta teria impactado permanentemente a Terra, a ponto de justificar a adoção de uma nova época geológica que caracterize assim sua atividade.
Cunhado pelo biólogo Eugene Stoermer na década de 1980 e popularizado pelo Nobel de QuímicaPaul Crutzen, em 2000, o termo Antropoceno possui raízes gregas: "anthropos" significa homem e "cenos" significa novo. Esse sufixo é utilizado na geologia para designar todas as épocas dentro do período em que vivemos atualmente, o Quaternário.
As mudanças globais observadas, impulsionadas pela crescente e intensa ação humana, levaram Paul Crutzen a propor que essas atividades antropogênicas teriam afetado tão profundamente o planeta que deveríamos ‘enfatizar o papel central da humanidade na geologia e na ecologia’, ao reconhecer que, desde o final do século XVIII, vivenciamos um novo período geológico.
Eles, que primeiro falaram em antropoceno, indicaram o início dessa época como o princípio da Revolução Industrial. Período no qual a dependência pela queima de combustíveis fósseis provocou o aumento das emissões de dióxido de carbono, afetando o clima global ao interferir no mecanismo natural de aquecimento do efeito estufa.
No momento, viveríamos, portanto, a oficialização da passagem do Holoceno para o Antropoceno.
O Holoceno foi o período de estabilidade ambiental experimentado desde a última glaciação – terminada há aproximadamente 11 mil anos – durante o qual a humanidade cresceu e se desenvolveu. O Antropoceno seria a nova e atual época geológica em que essa estabilidade está sendo progressivamente perdida por conta da atuação da humanidade, que se tornou o principal vetor de mudanças no planeta Terra.
A transição do período do Holoceno para o Antropoceno, na denominação de uma nova época, implica uma escolha (não apenas científica, mas também política) que coloca a alteração do funcionamento do planeta na responsabilidade da espécie humana.

Fases pré-Antropocênicas

Hipótese da fase pré histórica

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Evidências sugerem que os humanos antigos (Homo erectus), utilizaram o fogo para modificar seu ambiente e cozinhar alimentos, entre 1,8 milhão de anos até 300 mil anos atrás, o que teria influenciado tanto a evolução da espécie quanto o crescimento do tamanho do cérebro.
A tese mais aceita atualmente afirma que os humanos modernos (Homo sapiens) evoluíram na África há aproximadamente 200 mil anos e, desde então, realizaram migrações para outros continentes. É reconhecido que esses humanos desempenharam um papel importante na alteração da biodiversidade e das paisagens em ilhas e continentes durante, pelo menos, os últimos 50 mil anos.
Ele foram indicados, por exemplo, como os responsáveis pelo declínio e, muitas vezes, pela total extinção de centenas de espécies de grandes mamíferos (chamados de megafauna) em toda a América do Norte e do Sul, Eurásia, Austrália e em muitas ilhas oceânicas. Apenas na África e nos oceanos a megafauna escapou, em parte, da extinção em larga escala. Apesar disso, atualmente, centenas de grandes espécies de mamíferos se encontram sob intensa pressão no continente africano.
No entanto, ainda que os seres humanos tenham contribuído para o aumento das taxas de extinção da megafauna (por meio da caça e alteração de habitats), as mudanças climáticas também são indicadas como possíveis responsáveis. Portanto, ao considerar as extinções da megafauna em todo o mundo, parece provável que tanto o clima como a atividade antropogênica tenham atuado em conjunto.

Revolução Agrícola

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A expansão da agricultura em múltiplas regiões ao redor do planeta provocou impactos significativos sobre paisagens, biodiversidade e a composição química atmosférica desde o início do Holoceno.
A ‘Revolução Neolítica’, de cerca de oito mil anos atrás, abriu caminho para o desmatamento de grandes áreas de florestas e a queimada desses terrenos para o aprimoramento de terras agrícolas. Esse fato levanta a hipótese de que essa baixa nas florestas teria levado a um aumento geral de gás carbônico (CO2) na atmosfera, contribuindo para um aumento das temperaturas globais, ainda que de maneira reduzida.
Cerca de três mil anos depois desse quadro relatado, a expansão agrícola no sudeste da Ásia levou ao cultivo generalizado de arroz em campos alagados e, possivelmente, a aumentos globais nas concentrações de metano (CH4). Embora ainda haja debate a respeito da contribuição destas práticas de uso da terra para as precoces concentrações dos gases de efeito estufa na atmosfera durante o Holoceno, a crescente alteração humana da paisagem é cada vez mais reconhecida.

Fases Antropocênicas

Primeira Fase

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De acordo com Crutzen, esse novo período geológico se iniciou por volta de 1800, com a chegada da sociedade industrial, caracterizada pela utilização maciça de hidrocarbonetos (principalmente o petróleo para produção de energia e como fonte de matérias-primas). Desde então, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera, causada pela combustão desses produtos, não para de crescer. E ainda existem muitas linhas de pesquisa que indicam que que a acumulação dos gases do efeito estufa contribui como um forte agravante para o aquecimento global (saiba mais na matéria "Aquecimento global: causas, consequências e combate").
Dessa forma, considera-se que a primeira fase do Antropoceno vai de 1800 a 1945 ou 1950 e corresponde, portanto, à formação da era industrial.
Durante grande parte da história humana, os níveis de crescimento populacional e consumo energético foram mantidos controlados. O motivo principal era pelo fato das sociedades disporem de mecanismos ineficientes para fornecer energia, dependentes em grande parte de forças naturais (como o vento e água corrente) ou combustíveis orgânicos, como a turfa e o carvão.
Uma grande reviravolta teria ocorrido quando o inventor escocês James Watt realizou melhorias na máquina a vapor, ao final do século XVIII, permitindo uma maior eficiência no processo de geração de energia. Esse fato contribuiu para o início da Revolução Industrial.
Essa transformação pôde ser observada por meio de muitos exemplos. Um deles foi o fato de que, pela primeira vez, era possível utilizar energia suficiente para gerar, quimicamente, fertilizantes a partir do nitrogênio atmosférico. Obtendo, dessa forma, literalmente, nutrientes diretamente do ar. Isso permitiu elevar a produtividade de terras agrícolas, e, juntamente com os avanços da medicina, garantiram um grande aumento das populações humanas.
A intensa queima de combustíveis fósseis levou a um consequente aumento nos níveis dos gases do efeito de estufa na atmosfera, especialmente o gás carbônico (CO2). Já a intensificação de práticas agrícolas levou a um aumento nos níveis de metano (CH4) e de óxido nitroso (N2O) na atmosfera.
A intensificação do uso de combustíveis fósseis e de atividades agrícolas também levou à produção de grandes quantidades de dióxido de enxofre (SO2) e óxidos nitrosos (NOx). E, uma vez na atmosfera, esses compostos convertem-se em sulfato (SO4) e nitratos (NO3) e provocam a acidificação de ecossistemas terrestres e águas doces.
A acidificação tem sido especialmente problemática em regiões onde a geologia da captação é rasa e fina, podendo mais facilmente contaminar os mananciais de água doce. As mudanças na escala continental da diversidade de água doce foram reconhecidas desde o início da década de 1980 e, embora tenha sido adotada legislação internacional para reduzir esse processo, a recuperação biológica é dificultada devido à mudança climática.

Segunda fase

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A segunda fase vai de 1950 a 2000 ou 2015 e vem sendo chamada de “A Grande Aceleração”. Entre 1950 e 2000, a população humana dobrou de três bilhões para seis bilhões de pessoas e o número de automóveis passou de 40 milhões para 800 milhões! O consumo dos mais ricos se destacou do restante da humanidade, alimentado pela disponibilidade geográfica de petróleo abundante e barato no contexto do pós-Segunda Guerra (também chamado de Guerra Fria) e pela difusão de tecnologias inovadoras que catalisaram um vasto processo de consumo de massa (como os automóveis modernos, as TVs, etc.).
Na atual segunda fase da Era Antropocênica (1945-2015), registrou-se uma aceleração considerável das atividades humanas exageradas sobre a natureza. “A grande aceleração se encontra em estado crítico”, afirmou Crutzen, porque mais da metade dos serviços fornecidos pelos ecossistemas terrestres já enfrentam degradação.
Vale ressaltar que, no período após a segunda Guerra Mundial, foram criadas redes inteligentes e globais de comunicação e finanças. Diversos representantes de países se reuniram em Bretton Woods, New Hampshire, EUA, em 1944 (ainda antes do fim da Segunda Guerra), para reconstruir a economia global entre os países do bloco capitalista. Essa conferência proporcionou a criação do Fundo Monetário Internacional, e eventualmente do Banco Mundial.
A conferência citada também possibilitou a troca de saberes entre diversos cientistas e engenheiros internacionais, permitindo a concretização de avanços tecnológicos, como o desenvolvimento de energia nuclear e a construção de plataformas de petróleo em águas profundas (que acabaram também se mostrando problemáticos em termos ambientais).
No início da década de 1960, os subsídios para a agricultura eram distribuídos em larga escala ao redor do globo. Isso resultou no uso intenso da terra e na constante aplicação de fertilizantes, promovendo o rápido enriquecimento de nutrientes em ecossistemas de água doce e a diminuição da biodiversidade.
A mudança na forma de se consumir energia e na maneira como a população passou a crescer foi tão dramática após a Segunda Guerra Mundial, a ponto desse período passar a ser conhecido como a "Grande Aceleração".
Os impactos no meio ambiente, característicos desta época, incluem o aumento acelerado da emissão de gases do efeito estufa, o rápido aumento da poluição costeira e a exploração da pesca, e os aumentos preocupantes do número de espécies extintas. Esses impactos decorreram principalmente do crescimento da população, do elevado consumo de energia e das mudanças no uso da terra.
Numa terceira fase, a partir de 2000 ou, segundo alguns, de 2015, a humanidade tomou consciência do Antropoceno. Na realidade, a partir dos anos 1980, os seres humanos começaram a tomar progressivamente consciência dos perigos que sua atividade produtiva de intenso padrão gerava para o planeta Terra... E também para a própria espécie, já que, com a destruição dos recursos naturais, ela não seria capaz de sobreviver.

Esforços globais nesse período geológico

Paul Crutzen e alguns especialistas detalharam os impactos que marcam a entrada no Antropoceno. E segundo eles, após termos modificado nosso ambiente como nunca antes feito, perturbando o sistema climático e deteriorando o equilíbrio da biosfera, nós seres humanos, transformados em uma “força geofísica planetária”, deveríamos agir rapidamente para tentar limitar os danos.
Em 2015, o mundo acompanhou o Acordo de Paris para definir objetivos e medidas práticas para conter as mudanças globais observadas. “Num certo sentido, o acordo sinaliza o reconhecimento quase que unânime entre os países do mundo que é necessária uma urgente mudança em nível global para alterar a velocidade com que a humanidade está interferindo nos ciclos naturais do planeta. O desafio é estabilizar o sistema climático em curto intervalo de tempo, o que talvez seja o maior obstáculo que a humanidade coletivamente já enfrentou”, afirmou Carlos Nobre, pesquisador brasileiro do Grupo de Trabalho sobre o Antropoceno (AWG, na sigla em inglês).
Para os cientistas do AWG, o próximo passo rumo à oficialização da nova época geológica é definir os marcadores e uma data que será considerada como o início oficial da época da humanidade.

As mudanças climáticas e os conflitos globais

Vemos hoje uma combinação explosiva entre os dilemas globais da crise ecológica e da desigualdade. Um grupo de dois bilhões de pessoas dispõe de um padrão de consumo elevado e se apropria dos consequentes benefícios materiais, enquanto quatro bilhões vivem na pobreza e um bilhão na miséria absoluta. Nesse contexto, conflitos e desastres se tornam iminentes.
Um relatório preparado pelo Centro para o Clima e Segurança (Center for Climate and Security) identifica doze “epicentros” nos quais a mudança do clima pode pressionar a segurança global, causando conflitos ao redor do mundo. Muitos desses epicentros decorrem da escassez de recursos naturais e do deslocamento de populações, mas especialistas também consideram a probabilidade de guerra nuclear e a ocorrência de pandemias, como fatores decisivos para definir esses locais que apresentam risco de conflitos.
Um exemplo desse risco são as nações-ilhas, como as Maldivas, que poderiam desaparecer sob o crescente nível do mar. Certamente isso representaria uma crise para a comunidade internacional, que nunca tratou de um Estado desaparecido e não tem normas legais para o reassentamento de refugiados nessa situação. Outro exemplo examinado foi a respeito do aumento do risco nuclear caso os reatores voltem a se espalhar na tentativa de reduzir as emissões dos combustíveis fósseis.
Nos próximos anos, problemas relacionados ao acesso à água e à sua escassez também podem representar desafios e conflitos em territórios. Atores não estatais já buscam o domínio sobre a água para controlar populações locais (como o desvio de cursos d’água escassos). Já foi possível observar atritos entre o Egito e a Etiópia pelo uso do rio Nilo.
Em um artigo no periódico Scientific American, Francsico Femia, presidente do Center for Climate and Security, acrescenta uma frase otimista sobre como a equipe de governo do presidente dos Estados Unidos e negacionista Donald Trump vai lidar com estes riscos: “(...) Vocês verão que muitas coisas não serão mais chamadas de 'climáticas', mas não acho que o trabalho (de lidar com estas ameaças), vá realmente parar”.
Se você quiser se aprofundar ainda mais nas relações entre a mudança do clima e os conflitos globais, foi publicada uma revisão abrangente de literatura para chegar às principais evidências estatísticas dessa questão. Essa revisão foi preparada pela Adelphi.
Confira um vídeo (com narração em inglês) sobre o Antropoceno. Para saber mais sobre ele, acesse: "Bem vindo ao antropoceno: vídeo mostra os efeitos da ação do homem sobre a Terra".


Fonte: http://www.ecycle.com.br/component/content/article/63-meio-ambiente/5719-antropoceno-a-aera-da-humanidadea.html

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